Azul é a Cor Mais Quente – delicadamente obrigatório

É uma pena que o novo longa do cineasta tunisiano Abdellatif Kechiche tenha causado tanta repercussão em função do teor sexual de algumas cenas. Isso acabou gerando uma visão reducionista da película. Adaptação da HQ homônima de Julie Maroh, Azul é a Cor Mais Quente é muito mais que um filme sobre sexo. É um retrato delicado sobre amadurecimento, descoberta e auto-conhecimento.

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Importante comentar que o título em português vem da obra original, a HQ. Enquanto que o título francês do filme, “La vie d’Adèle”, ou A Vida de Adèle simboliza melhor o que é apresentado na tela. Roteirizado por Ghalia Lacroix, juntamente com o próprio Kechiche, o filme gira em torno da protagonista Adèle e acompanha sua vida por vários anos. Desde a adolescência até sua maturidade. A trama começa com Adèle, ainda no colegial vivendo com suas amigas em busca de garotos. Tudo muda quando, indo a um encontro, ela se esbarra com um casal de lésbicas – sendo uma delas, Emma, uma bela jovem de cabelos azuis – e começa a ter dúvidas sobre sua sexualidade. A partir daí acompanhamos a conturbada jornada de auto-descobrimento da protagonista.

É interessante notar como Kechiche se utiliza de algumas passagens dos textos discutidos durante as aulas de Adele para, ou logo em seguida expor a personagem a uma situação bastante semelhante, ou refletir o momento pelo qual a mesma está passando. Destaque para quando se questiona se a gravidade poderia ser considerada um vício, uma vez que a mesma é inevitável.

O roteiro é bastante envolvente e, se opta por não fazer panfletário quanto a homofobia, não deixa de mostrar o quão ridículas são as pessoas que praticam esse crime hediondo. Em um dado momento, um grupo de garotas ao descobrir que Adele se apaixonou por uma garota, adotam a absurda postura de acusá-la de sempre ter tido segundas intenções com toda e qualquer garota. Como se o simples fato de gostar de alguém do mesmo sexo faça com que a pessoa, automaticamente, se torne um ser com pensamentos puramente sexuais. Um pensamento ridículo que infelizmente reflete a ignorância de parte da população em qualquer lugar do mundo. Inclusive na própria França, onde recentemente houveram protestos contra a união entre pessoas do mesmo sexo.

Outros dois aspectos técnicos que merecem ser mencionados são: a direção de arte e a fotografia. Abusando de planos fechados na protagonista, o diretor nos joga na mente da personagem principal. Toda emoção expressa por Adele é amplificada e transborda da tela. Seja nos momentos de dúvida, alegria ou decepção o sentimento da protagonista é quase palpável. E tanto a fotografia como a direção de arte utilizam habilmente o azul, dando significado ao mesmo. Aos poucos vamos vendo a vida de Adele sendo tomada pela cor. Seja em suas roupas ou nos móveis que a cercam.

No entanto, o ponto alto do longa é a química entre as duas atrizes. É instigante ver os laços sendo criados pouco a pouco, desde a troca de olhares e carícias até as intensas cenas de sexo. O trabalho de interpretação de Léa Seydoux, Adèle Exarchopoulos é muito interessante. Enquanto Léa transpira intensidade e decisão no modo de olhar e falar de Emma, Adèle, por outro lado, sempre com gestos contidos e uma fisionomia introspectiva, transparece dúvidas e imaturidade. Tanto que, em dado momento, ainda que Adèle seja a causadora de uma situação de dor e sofrimento, é por ela que tememos dada sua latente fragilidade.

Tendo como único deslize uma edição um tanto irregular, ainda que não percamos o interesse pela trama em nenhum momento, Azul é a Cor Mais Quente é uma obra delicada, pungente e, em tempos de luta pelo amor pleno e independente de opção sexual (seria realmente uma opção?), obrigatória.

Leigômetro: ★★★★☆ 

Ficha Técnica
Azul é a Cor Mais Quente (La vie d’Adèle – Chapitres 1 et 2, 2013)
Direção: Abdellatif Kechiche
Roteiro: Julie Maroh, Abdellatif Kechiche e Ghalia Lacroix
Elenco: Adèle Exarchopoulos, Léa Seydoux, Aurélien Recoing, Catherine Salée, Mona Walravens, Alma Jodorowsky, Anne Loiret, Jérémie Laheurte, Benoît Pilot.

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