Ensaio Sobre a Cegueira – Poesia e caos

nota 5

cegueira

Como já havia dito na publicação de um vídeo sobre a reação de José Saramago ao assistir a adaptação de seu mais famoso romance: me tornei fã de Fernando Meirelles após assistir O Jardineiro Fiel. Afinal de contas, Cidade de Deus podia ter sido um golpe de sorte e confesso que não assistí seus outros dois longas (o Menino Maluquinho 2 e Domésticas). Mesmo assim, com a crítica dividida entre amor e ódio para com a adaptação de Ensaio Sobre a Cegueira, admito que entrei no cinema apreensivo. No entanto, ao acender as luzes encontrei-me atordoado com a enchurrada de emoções que o filme provoca.

Apesar de ter lido apenas 60% da obra até o momento em que fui assistir a adaptação (Mais uma semana e teria finalizado a leitura, mas não consegui esperar.) posso afirmar que Meirelles pode não ter sido totalmente fiel ao livro (há algumas mudanças cronológicas nos acontecimentos), mas a idéia central, a essência da trama, está impressa em cada quadro do filme.

Ensaio… narra a história de uma cidade que é acometida por uma inexplicável e aterrorizante cegueira branca (os doentes dizem que, ao contrário do conhecido escuro total, enxergam tudo em branco, como se estivessem “mergulhados no leite“). O governo, na tentativa de conter a doença, resolve colocar os “infectados” numa espécie de quarentena num manicômio abandonado. A partir daí, a história começa a tecer sua análise sobre a fragilidade da nossa civilização.

Com a ajuda de seus habituais (e talentosos) colaboradores, César Charlone (fotografia) e Daniel Rezende (edição), Meirelles lança mão de vários artíficios técnicos e estéticos que só trazem mais beleza e poesia ao longa. Uma opção interessante, foi a forte saturação do branco que ora ofusca o espectador, ora tira o foco (literalmente) do que se está assistindo, fazendo com que compartilhemos um pouco da situação pela qual os personagens estão passando. Mais uma vez, ponto para a fotografia de Charlone, que leva poesia mesmo às cenas mais caóticas (destaque para a cena em que uma “avultada” cega encontra-se deitada numa das camas, completamente nua).

Além do entrosado tripé (direção, fotografia e edição) citado no parágrafo anterior, não posso esquecer do excelente e inspirado elenco que consegue transmitir o sofrimento, a loucura e a impotência diante da inusitada situação. Destaque para Julianne Moore (Magnólia) no papel da mulher do médico que carrega um pesado fardo (que em situações normais seria uma benção) por toda a película. Interessante também é o fato dos personagens não serem apresentados por nomes e sim por suas profissões ou características (o médico, o garoto, o velho…), numa metáfora à superficialidade com a qual tratamos o próximo.

Ensaio Sobre a Cegueira é um exemplo genuíno de uso da técnica a favor da narativa (a cena do garoto se esbarrando numa mesa que “não estava lá” é muito inteligente e eficiente). Talvez o filme não seja tão denso, sujo e forte como o livro (e mesmo assim o filme chocará os mais pudicos), mas não há como negar que é um longa autoral, com a marca do diretor. Parte da crítica internacional foi realmente dura em relação a adaptação, mas como o próprio diretor disse: Ensaio… não se trata de “um filme de arte. É um filme de entretenimento inteligente” e, na minha opinião, imperdível.

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