Rio: Orgulho e Preconceito?

O timing de lançamento de Rio é admirável. Assim como Tropa de Elite 2, beneficia-se de um contexto histórico importante. Mas pode-se perceber que não é apenas mais uma obra caça-níqueis, visto o perfeccionismo técnico que testemunhamos.

A história retratada é a de Blu, último macho entre todas as ararinhas-azuis do mundo, mas criado como um animal de estimação. Acompanhado de sua dona, Linda, eles partem numa viagem ao Brasil, para encontrar a última fêmea e tentar salvar a espécie.

A primeira forte impressão de Rio é a representação do Brasil. Na primeira sequência, do baile das aves, muito colorido, muita dança, muito samba. Mas samba mesmo, samba de verdade, com o peso das baterias das Escolas, nada para inglês ver. A floresta, apesar de muito densa é muito alegre.

E a parte gráfica é mesmo o maior trunfo de Carlos Saldanha, que também dirigiu a franquia A Era do Gelo. O design do Rio de Janeiro é estupendo. Os detalhes do calçadão de Ipanema, o Cristo redentor sobre a Lagoa Rodrigo de Freitas. Os traços dos personagens não são gratuitos. Eles são brasileiros autênticos, a diversidade, a cor da pele, o tipo de cabelo. Linda claramente é uma gringa naquele local. A dublagem ainda acrescenta um elemento, o do sotaque carioca, tão presente no audiovisual brasileiro.

Mas não é suficiente mostrar apenas a parte bonita da cidade. O plano belíssimo em que o órfão Fernando admira a linda paisagem de dentro da sofrida favela é um choque de realidade. Trememos diante do nosso abismo social.

A construção dos personagens é interessante. Solitária, Linda passa um pouco da sua personalidade através do local onde trabalha, livraria muito organizada, porém sem vida. Blu parece-se com ela e chega a ser um pouco nerd. Ambos acham-se felizes dentro de suas jaulas. O cientista brasileiro Tulio chama atenção pelo cachecol verde e amarelo, uma clara referência aos emigrados brasileiros. O grande vilão, a cacatua Nigel, exibe sua crueldade ao ter como poleiro o pescoço de uma ave empalhada e comer coxa de galinha (o que também denota a barbaridade com os animais que nem Nigel está livre).

O roteiro, por sua vez, não é o forte aqui. Apesar de não comprometer, é bobo, não enche os olhos. Uma clássica história de amor e superação. Porém tem momentos fortes, como a criança que é obrigada a roubar para sobreviver.

Para narrar os acontecimentos, Saldanha alterna bons e maus momentos. Ao contar uma passagem de tempo usa uma solução clichê, fotografias na parede mostrando a evolução dos personagens. Por outro lado, é elegante ao resumir o que aconteceu na infância de Blu com uma simples sombra na parede de alguém efetuando um pagamento, remetendo ao comércio ilegal de aves. Um outro ponto alto do filme é a cena de perseguição, intercalada pela narração de um jogo de futebol, que nos deixa angustiados. Tanto pela fuga dos pássaros, quanto pelo iminente gol.

É complicado assistir Rio com os olhos apenas do cinema. O contexto de ser brasileiro é muito importante nessa experiência. E aí pipocam insinuações de preconceito e estereótipo. Sim, é difícil ver os macaquinhos roubando os turistas e falando como delinquentes juvenis. Observar o retrato de uma cidade inteira restrito apenas ao Carnaval. Mas esconder nossos problemas é tão errado quanto não exaltar nossas virtudes. E parte da revolta que sentimos ao pensar nas cenas “polêmicas” do filme pode ser traduzido em vergonha. Vergonha por nos identificarmos, por exemplo, com o personagem que, de canto de boca, comenta com outro que não é recomendado confiar naquele menino de rua.

Rio está longe de ser uma obra-prima. Mas tem duas características importantíssimas. Nos faz pensar. E emociona.

Leigômetro: ★★★☆☆ 

Ficha Técnica
Rio (2011)
Direção: Carlos Saldanha
Com: Leslie Mann, Jesse Eisenberg, Rodrigo Santoro, Jamie Foxx, Will.i.am, Anne Hathaway

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