A Influência da Literatura na Mitologia de Lost


Não dá para negar que Lost é uma das séries de maior sucesso de todos tempos. Apesar dos polêmicos últimos episódios, a trama da série dos sobreviventes do vôo 815 da Oceanic é bem rica e complexa.

E como no nosso universo nada se cria, tudo se transforma, é interessante ver de onde os autores tiram as suas referências. No caso de Lost, a literatura é uma fonte que parece inesgotável. Vejamos de quais livros se originam as mais interessantes alusões ou insinuações deste programa de TV.

Alice no País das Maravilhas

Nada melhor para começar a enxergar as relações do que com este clássico surreal da literatura mundial. Escrito por Lewis Carroll, um professor de Matemática, em pleno séc. XIX, conta as aventuras de Alice[bb] num mundo fantástico, assim como sua continuação, Alice no País dos Espelhos.

Aliás, é neste último que encontramos nossa primeira referência em Lost. O episódio “Through the Looking Glass” é uma clara alusão ao título original do segundo livro de Alice (Through the Looking Glass and What Alice Found There). Na série, Looking Glass se refere à uma das estações Dharma, que tem um curioso símbolo:

Não há nada que ligue a história dessa estação a um coelho, a não ser o livro citado.

Aliás, os coelhos, são muito recorrentes em Lost. No livro, é um coelho branco que acaba fazendo com que Alice caia no País das Maravilhas. Em “White Rabbit” (“Coelho Branco”), Locke tenta convencer Jack, que está vendo constantemente o pai morto, de seguir as suas visões: seguir o coelho branco. Mas não são só passagens metafóricas que são exibidas em Lost.

O vídeo mostra o jovem Ben, que desde pequeno exibe seus dotes perversos, usando o coelho para testar a passagem na cerca. Logo após, ele também acaba seguindo o coelho branco.

Neste mesmo episódio do vídeo anterior, podemos ver outra referência. Alice é sempre retratada da mesma maneira, loira, laço no cabelo, vestido azul, assim como nas versões de Disney[bb] e Tim Burton.

E, no mesmo local onde Ben testa a cerca, a sua mãe morta havia aparecido para ele.

Apesar de todas essas referências à Alice no País das Maravilhas, o episódio acima, “The Man Behind The Curtain” faz referência à próxima obra.

O Maravilhoso Mágico de Oz

Lançado em 1900, é também um clássico da literatura infantil. Mostra a tentativa da personagem principal Dorothy de voltar para casa após ser levada por um tornado ao Mundo de Oz[bb].

“The Man Behind The Curtain” é um outro nome para o Mágico de Oz. Havia uma época que alguns achavam que esse homem era Ben.

Além deste, mais dois nomes de episódios referenciam O Maravilhoso Mágico de Oz:

  • “Not In Portland”, uma alusão à “not in Kansas”, da famosa frase de Dorothy quando chega em Oz no filme baseado no livro, “Toto, I have a feeling we’re not in Kansas anymore” (Totó, eu tenho a impressão que nós não estamos mais no Kansas)
  • “There’s No Place Like Home”, quando os sobreviventes voltam para casa é a frase dita por Dorothy para retornar ao seu lar.

Em outro momento da série, quando Desmond conversa com Eloise, uma construção cai em cima de uma pessoa, deixando apenas seus pés com sapatos vermelhos de fora. Um plano muito parecido com o do filme, quando a casa de Dorothy cai em cima da bruxa má, matando-a e deixando de fora apenas seus pés com o sapato de rubi.

Uma outra referência, desta vez mais em tom de brincadeira, sugere que a lista entregue à Michael com o nome dos sobreviventes que ele deve levar ao outro lado da ilha, referem-se aos personagens mais importantes de O Maravilhoso Mágico de Oz, sendo Jack, Sawyer, Hurley e Kate respectivamente o Homem de Lata, o Espantalho, o Leão Covarde e Dorothy. As duas últimas até mesmo compartilham a mesma cor de roupa nessas cenas.

Um outro personagem do livro empresta o nome a um personagem da série. Henry Gale, tio de Dorothy Gale, em Lost chegou à ilha tal qual o Mágico de Oz: num balão. Porém outra pessoa tenta se apossar da sua identidade.

Era Uma Vez em Watership Down

Do autor inglês Richard Adams, sobre um grupo de coelhos que tenta procurar um novo lugar para morar depois que um deles passa a ter visões sobre uma catástrofe no local. É um dos livros lidos por Sawyer na ilha, aparentemente roubado de Boone. Da mesma maneira que Lost, Watership Down[bb] trata de uma sociedade que está buscando se estabelecer em situação adversa.

Diz-se que o início da série é inspirado no filme baseado no livro. Tirem suas conclusões:

Ratos e Homens

Romance de John Steinbeck, Ratos e Homens[bb] fala sobre a busca de dois trabalhadores rurais pelo pedaço de terra que vai prover seu sustento. Uma crítica ao “sonho americano”. É citado por Ben e Sawyer.

O Senhor das Moscas

Clássico da literatura inglesa, junto com Revolução dos Bichos[bb] e O Apanhador no Campo de Centeio[bb], foi escrito pelo prêmio Nobel de literatura William Golding.

No livro, um grupo de estudantes fica preso numa ilha após seu avião cair. Eles tentam se organizar, mas, apesar das tentativas do líder Ralph, Jack tenta impor uma anarquia hedonística,  deixando a situação fora de controle.

Os enredos iniciais do livro e do filme se parecem. Na série, além da queda do avião na ilha, há um antagonismo entre dois dos personagens principais, sendo que um dos episódios aproxima-se muito dessa relação: “Man of Science, Man of Faith”. Jack, o líder natural dos personagens, tenta fazer com que eles se organizem e esperem o resgate. Locke, por sua vez, quer permanecer na ilha: ele não acredita que estejam lá por acaso.

Fazendo um paralelo com a situação do livro, onde os personagens começavam a entrar em grandes conflitos e até mesmo haver mortes entre eles, Sawyer, em Lost, cita O Senhor das Moscas[bb].

O Terceiro Tira

De Flann O’Brien, pseudônimo do autor irlandês Brian O’Nolan, o surreal O Terceiro Tira[bb] veio à tona pouco antes do episódio em que aparece, “Man of Science, Man of Faith”, quando um dos roteiristas citou-o como uma boa munição para aqueles que querem teorizar sobre Lost. Em três semanas vendeu mais que nos últimos seis anos antes do episódio. Depois ele próprio disse que foi um blefe.

Trata-se da história de um homem que desperdiça sua vida estudando um filósofo e cientista louco, que tem teorias muito “heterodóxas”, como a que diz que a noite é causada por um acúmulo de “ar negro” e quando tenta diluir água. A fim de levantar fundos para escrever uma obra sobre esse cientista, este homem, que é o narrador da história e que não tem nome, mata uma pessoa pelo dinheiro. A partir do momento em que encontra a caixa onde teoricamente estava o dinheiro, o romance entra num clima surreal, onde o protagonista encontra o homem assassinado, uma alma e uma delegacia “esquisita”.

O próprio autor do livro afirma que o personagem principal está morto durante todo o livro e que a situação se repete indefinidamente dentro do inferno em que ele se encontra. Isso endossou uma teoria de que os personagens de Lost também estariam no inferno. Assim como as referências a O Maravilhoso Mágico de Oz e Alice no País das Maravilhas levavam a crer que tudo fosse uma espécie de sonho, já que descobrimos no final que Dorothy e Alice estavam sonhando.

Há outras situações do livro que lembram a série:

  1. Dentro da delegacia há um local onde o tempo não passa. Em Lost há viagens no tempo e a última temporada, nos flash sideways, o tempo tem uma característica própria.
  2. Há uma caixa que contém um material que faz coisas se tornarem reais. Em Lost, Ben comenta que existe uma caixa assim na ilha.
  3. O que a caixa produz não pode ser usado do lado de fora. Em Lost, quando Locke sai da ilha, ele volta a uma cadeira de rodas.
  4. É muito difícil sair da delegacia, porém quando sai ele acaba querendo voltar, e volta. Em Lost essa é a ideia da 5ª temporada.

Vejamos Ben falar de algo que lembra O Terceiro Tira:

Ardil-22

De Joseph Heller, trata-se de um livro sobre a Segunda Guerra Mundial, um ponto de vista satírico sobre o absurdo da guerra. Compara-se com Lost pelo tipo de narrativa, cheio de flashbacks e sem distinção clara dos eventos em tempo real. Além do fato de a história falar sobre um grupo de soldados “presos” numa ilha que é a base de operações de uma batalha.

O título se refere à uma situação no livro em que os personagens perdem se fizerem e perdem se não fizerem. Os soldados só podem parar uma missão se forem totalmente loucos, mas para continuar uma missão é necessário ser louco. Então, se eles se acham loucos, estão prontos para voar, se eles não são loucos, estão naturalmente prontos para voar.

Durante o episódio que leva o mesmo nome, Desmond precisa decidir-se se tenta salvar Charlie, que frequentemente é visto morrer nos seus sonhos, ou deixá-lo morrer, para assim permitir a chegada de sua amada à ilha.

Ainda no episódio, Desmond segue suas visões em direção a uma paraquedista desconhecida. Eles localizam vários objetos pessoais dela pelo caminho, inclusive uma edição brasileira de Ardil-22[bb].

Watchmen

Citado pelos produtores como a melhor obra pop de ficção já concebida. De Alan Moore, Watchmen[bb] conta a história de um grupo de heróis numa realidade alternativa que começa a investigar assassinatos de heróis aposentados.

Guarda muitas similaridades principalmente com o ARG Lost Experience. Porém está presente na série com temas como:

  1. Desmond parece viver num distúrbio de espaço-tempo, Dr. Manhattan vê o tempo de maneira não linear, além de ambos levarem consigo fotografias muito parecidas.

  2. O balão de Henry Gale tem o símbolo do Comediante.

  3. As cenas de Edward Blake e Locke sendo arremessados são muito parecidas.

Os Irmãos Karamazov

Clássico da literatura mundial de Fiódor Dostoiévski. Conta a história dos irmãos do título e da suspeita de assassinato do pai por um deles. Uma obra muito complexa, que aborda muitos assuntos relacionados à natureza humana, como amor, esperança e religiosidade.

Este livro[bb] é dado por Locke a Ben quando este ainda se passava por Henry Gale.

O autor certa vez argumentou com seu irmão que não era possível simplesmente parar de pensar num urso branco. Isso inspirou um experimento de supressão do pensamento, chamado “Não pense em ursos brancos”. O estudo falava de como tentar parar de pensar em um assunto acaba nos fazendo pensar mais sobre ele.

No episódio “Special”, Walt aparece lendo uma HQ em que aparece um urso polar. Pouco tempo depois, um urso aparece. No mesmo episódio Walt estudava pássaros e um pássaro voou contra a janela.

A Dança da Morte

Depois que uma arma biológica praticamente acaba com a vida na Terra, um grupo de sobreviventes parte para tentar reestabelecer uma sociedade democrática numa cidade próxima. Acabam tendo que enfrentar outro grupo de sobreviventes liderado por um ser mau e sobrenatural, conhecido como “dark man”.

Os produtores já citaram várias vezes esse livro[bb] de Stephen King[bb] como sendo uma das mais importantes influências de Lost, inclusive um modelo para a forma de contar histórias.

Muitos temas do livro são recorrentes em Lost. Vejamos alguns:

  • Sonhos ou visões são frequentes em Lost. No livro, uma personagem mãe solteira sonha com um “dark man” tentando matar seu bebê, muito parecido com Claire.
  • Há uma homenagem a um personagem do livro, um músico de um sucesso que cai nas mãos de um traficante, depois larga as drogas ao começar um relacionamento com uma mulher, depois tem que se sacrificar por todos, uma referência de Charlie.
    • Confirmado pelos produtores.
  • No livro, outro livro é citado, Watership Down, assim como em Lost.
  • A líder espiritual dos mocinhos tem 108 anos, a soma dos números de Lost.
  • Existem, em ambos, cães muito participativos, Kojak e Vincent.
  • O antagonista do livro, Randall Flagg, cujo nome verdadeiro é Richard, não envelhece, assim como Richard Alpert.
  • Em ambos há crianças com poderes especiais, Leo Rockway e Walt.
  • Em dado momento, a detonação de arma nuclear aparece como uma solução para fim de conflito tanto no livro quanto na série.

Carrie, A Estranha

Mais um livro de Stephen King, aparece durante a reunião do Clube do Livro dos Outros. Sobre uma adolescente excluída pelos colegas de escola e atormentada pela mãe. Acaba revelando poderes psíquicos.

A escolha de Juliet por este como seu livro favorito não é mera coincidência. Juliet compartilha características com Carrie[bb], sendo bastante introspectiva. Porém capaz de atrocidades quando pressionada.

Comentários

3 respostas para “A Influência da Literatura na Mitologia de Lost”

  1. Nossa! Sensacional. Vou documentar esse post. Parabêns!

  2. JAMILE BARBOSA FERREIRA

    Amei a participação de vcs no clube do livro

    achei muito legal a forma que vcs observal as series

    amei as narrativas que vcs demonstraram e a homenagem que a serie faz para a literatura mundial

    parabéns pelo trabalho

    disponibilizem por favor o ppt

  3. vou confessar uma coisa: sua apresentação no clube foi uma das melhores que pude presenciar até hj.

    parabéns pela apresentação e pela formatação de como a apresentação foi conduzida.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *