Em O Som ao Redor, a tela do cinema funciona mais do que nunca como um espelho. Um espelho côncavo, apontado especialmente para a classe média, que, de tanto aumentar a imagem, pode passar a refletir o que não esperávamos.
Em compasso de crônica, acompanhamos neste filme as vidas de algumas famílias de uma rua da zona sul de Recife. E a chegada de uma empresa de segurança no bairro, que parece desequilibrar a equação do estado atual das coisas.
Fotografias antigas de lavouras, casas-grandes, trabalhadores e talvez até de escravos iniciam o longa. Instantes depois, já dentro da história que vamos acompanhar, crianças brincando no pátio e uma multidão de empregadas domésticas fazem um triste elo com as imagens anteriores.
Essa relação entre trabalhadores domésticos e patrões está sempre presente. Todas as casas têm pelo menos uma empregada. Quarto exclusivo é essencial no novo apartamento. Algumas trabalham há gerações no mesmo lar, chegando a turvar o limite das famílias. Mas desde o patrão que não reclama do parente do empregado dormindo em seu sofá, mas silenciosamente não o permite, até aquele que nem mesmo abre a porta quando há alguém que execute esta função, o limite existe.
Mas nem tudo são flores para o lado mais privilegiado. Falidos, os compradores de uma casa tentam pechinchar, mas sem perder a pose. Inundada pela violência, o pesadelo da classe média toma forma no sonho de uma criança: uma horda de ladrões invadindo a sua casa, com direito a um cruel som de catraca sendo atravessada. Sufocados pelos prédios, antigos moradores contemplam a piscina vazia de uma casa prestes a ser demolida, num dos símbolos mais fortes do longa.
Aliás, apesar de muito realismo, símbolos não faltam aqui. O local onde um dos personagens se sente mais à vontade é no Engenho, onde ficam suas terras, cenário onde antes provavelmente ficava um engenho de cana-de-açúcar e que hoje é repleto de ruínas. Sua casa é uma típica casa-grande. E a surpreendente cachoeira de sangue, mostrando que muito foi derramado na origem daquelas terras.
As atuações podem não ser memoráveis, mas conseguem passar toda a simplicidade do dia a dia daquelas pessoas. Irandhir Santos, que interpreta o misterioso Clodoaldo, tem um desempenho digno de nota.
O uso do som não pode ser ignorado, visto que dá, inclusive, título ao filme. O barulho do cotidiano, a toada virtual do cinema em ruínas, a poesia dos mínimos ruídos. Mas, apesar ser uma parte extremamente importante, é incrível como no decorrer da projeção, tal qual na vida real, aprendemos a… ignorar.
O diretor – e crítico de cinema – Kleber Mendonça Filho faz uma estréia estelar nos longas de ficção. Nos entrega uma obra crua e emocionante, bárbara e humana. E com um final fantástico. Definifivamente um dos melhores filmes nacionais dos últimos tempos.
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Ficha Técnica
O Som ao Redor (2012)
Direção e roteiro: Kleber Mendonça Filho
Elenco: Irandhir Santos, Gustavo Jahn, Maeve Jinkings, W.J. Solha, Irma Brown
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